
Poucas coisas são tão previsíveis nas relações internacionais quanto uma superpotência usando seu peso econômico para submeter nações menores à sua vontade. Desde o “arsenal da democracia” de Franklin Roosevelt até as disputas de semicondutores com o Japão na era Reagan, Washington vem tratando tarifas e acesso ao mercado como alavancas de diplomacia há muito tempo. Nesse sentido, o que estamos testemunhando hoje é depressivamente normal: o presidente dos Estados Unidos ameaçando tarifas punitivas, a menos que os líderes estrangeiros mudem de curso em questões que têm pouco a ver com cronogramas de aduana e tudo a ver com política interna. Casa Branca
A mais recente leva de cartas tarifárias—22 em uma única semana—leva essa prática a novos extremos. Uma das mensagens alerta o Brasil sobre uma taxa de 50% caso o presidente Lula da Silva não interrompa o julgamento de corrupção de Jair Bolsonaro, um caso que é totalmente interno às instituições democráticas do Brasil.KTVZ Outra remessa foi enviada a quatorze governos asiáticos, chegando “com choque, frustração e raiva” em capitais de Seul a Kuala Lumpur.Politico Mesmo o próprio informativo da Casa Branca reconhece que alguns países enfrentam taxas mais altas não por causa de desequilíbrios comerciais, mas porque não atenderam aos desejos estratégicos mais amplos de Washington.White House
Essa não é uma tática isolada. No início deste ano, a Colômbia foi informada de que suas exportações enfrentariam taxas de 25 a 50% a menos que aceitasse de volta deportados dos EUA—uma tentativa inconfundível de coagir a política de imigração com um porrete econômico. KTVZOs mercados começaram a precificar o risco político: o real brasileiro caiu quase 3% em 10 de julho após a ameaça de 50%, um lembrete de que economias nacionais inteiras podem ser abaladas pelo capricho de um presidente. Reuters
Chame isso de alavancagem, chame de “reciprocidade”, mas sejamos honestos: quando um líder usa tarifas para ditar os procedimentos judiciais ou políticas sociais de outra nação, a prática ultrapassa a linha da negociação dura e se transforma em extorsão pura. O fato de esse comportamento ter se tornado rotineiro—normal, na própria formulação do presidente—deve alarmar qualquer um que ainda acredite em uma ordem baseada em regras. A normalidade não a torna legítima; décadas de excesso de velocidade na autobahn não abolem o limite de velocidade.
A comunidade internacional possui ferramentas para reagir. A Carta da ONU proíbe “a ameaça ou o uso da força contra a integridade territorial ou a independência política de qualquer estado”; a coerção econômica destinada a interromper um julgamento criminal legal, sem dúvida, tensiona esse princípio. O Tribunal Internacional de Justiça já decidiu disputas comerciais com conotações políticas antes; o Tribunal Penal Internacional, embora focado em indivíduos, já iniciou investigações preliminares sobre crimes econômicos que facilitam abusos de direitos humanos. Nenhum desses órgãos agirá da noite para o dia—mas o silêncio é cumplicidade. Pressão diplomática concertada, resoluções da Assembleia Geral, ou até mesmo um parecer consultivo do TIJ sinalizariam que o chantagem tarifária é não simplesmente mais um instrumento na caixa de ferramentas diplomática.
Céticos vão zombar: “A política das grandes potências é um esporte de contato.” No entanto, as normas mudam exatamente quando vozes suficientes se recusam a aceitar as antigas. Um século atrás, os canhões imperiais eram “o habitual”. Hoje, são atos de párias. A chantagem econômica merece um destino semelhante. Pode ser comum, mas nunca mais deve ser chamada de normal—e certamente não deve mais ser tolerada.